quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Atendam à vida para que o acto não seja morte!...



Quadro técnica mista, colagens desenhos e pintura sobre tela
Titulo: O desconcerto do mundo!... Autor: José M. Silva
Tela rejeitada no prémio; Amadeu de Sousa Cardoso.

Não! Não digam que a arte é isto, ou aquilo.
Que é por aqui! Ou por ali! Que eu sigo a minha vontade e digo.
Abaixo os demagogos de baixo custo! Os tendenciomentais!
Os arte – cráticos de sabão espumoso! Os paradoxos d´arte!

- vinte ratinhos brancos, devidamente numerados 1,2,3,4,
num alinhamento isósceles - uma corda de veludo verde
azeitona entrelaçada descrevendo um oito - um ambiente
intimista protagonizado por bonecos de esferovite…
já não há pachorra!

Desengane-se pois quem pensa que a arte é efectivamente arte.
Pois não é! A arte é um sentido laico, dado a um conjunto de seres
cinzentos, que vivem numa exasperante vontade de elevarem
as suas frustrações por não terem nascido bichos!
A arte é vida! Vida pura. E essa foi banida, aniquilada,
desarticulada, menosprezada… respira agora um
ar filtrado, um ar manipulado, um ar esfumado…

Venham! Venham! Futuristas, expressionistas, vanguardistas.
Venham sim! Venham aos potes, aos trambolhões, às cambalhotas.
Mas não confundam! Não deturpam! Não destruam!...
Sejam autênticos! Construam! Vejam o mundo com olhos novos,
( puros de preferência ).
Mas que se veja! Não se dizem criadores?!! Pois então... criem!
Não são iluminados?!! Então que esperam... iluminem… encandeiem…
façam um céu sideral! Mas atendam à vida para que o acto não seja morte!...

José M. Silva

Em livro «Há copos, garfos inebriados dentro de mim»

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Não me perguntem como pinto?


Aguarela (Areeinho) Autor: José M. Silva

Não me perguntem como pinto?
Apenas sinto! É esse o meu pintar.
Desenho, mancho, esborrato... sou por vezes insano.
Sou o meu abismo... sucedo-me, encandeio-me, sou eu em mim.
O sentimento abalroa o nascer e renascer das formas
sinto-as e paro. Deve-se sempre parar…

Não me perguntem das cores?! Misturam-se...
em tons adjacentes, inebriados... complementam-se!
São o claro e o escuro, o quente e o frio, o dia e a noite,
a vida e a morte!

Não me perguntem como pinto?
Pois quando as saudades matam, vejo todos
os mares de rosas que me iluminam.
Procuro! E quando aparece sinto e é tão bom sentir!
O momento é vida e a vida leva-nos sempre nos seus mistérios…

José M. Silva

Em livro «Há copos, garfos inebriados dentro de mim»

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Verdes anos


Aguarela autor: José M. Silva


Verdes anos

Foi a loucura
pragmática nos tempos,
das traves esquartejadas.
Fomos comuns lampiões
com ideais liberais…

Foi como se...
na ira das vontades e dos quereres,
proliferasse uma fértil omnipresença
das vinhas, dos áureos e empíricos desejos.
Cortejámos com voracidade a utópica Mais-valia.

Fomos tontos, mascarados
galopamos por montes e vales
e surfamos nas ondas!…
Saqueamos sementes voltaicas
e partículas orgânicas.
Fomos energia em constante renovação 
combatemos a neutralidade de Antíoco da Síria.
Andamos à boleia dos ventos,
da rosa, da rosa – dos – ventos,
rosa cor de mapa.
Atiçamos linces raivosos
cobrimos adultérios imundos
preenchemos toda a vastidão dos densos bosques
e pinheirais como centauros.

Num só dia, cobrimos Roma e Pavia,
fomos gafanhotos e pagãos neuróticos
navegamos em botes furados,
içamos velas quinhentistas
galgamos oceanos verdes de lés - a - lés.
Fomos forças invisíveis.
Cometas nascidos na terra,
embebidos no fogo, na água e na luz…
Na luz do meu poema.


José M. Silva

Em livro «Há copos, garfos inebriados dentro de mim»

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Como que a morrer!...

















Aguarela cena rural, autor: José M. Silva


Como que a morrer!...
Sonhos, murmúrios, lágrimas,
infâncias perdidas, juventudes roubadas.

Tristes e envelhecidas paredes
fortificam as manhãs claras
pilar dos medos e das amarguras
das brumas e das noites despovoadas.

Como que a morrer!...
Já sem portas nem janelas abrigas
a densa vegetação das intempéries.

Lágrimas perdidas, regaços envelhecidos,
colos maternos e seios distantes.
Na inércia das ruínas embriagadas
das leiras e dos enigmas nocturnos.

José M. Silva

Em livro «Há copos, garfos inebriados dentro de mim»

sábado, 8 de agosto de 2009

Não! Não me é permitido!...


Desenho a caneta autor: José M.Silva

Não! Não me é permitido!..
Tal veleidade, tal devaneio
enjaulo em mim este sentimento
fero de paixão!

Não! Não me é permitido!..
Que paire sobre mim o esquecimento
deste fulminante brotar imenso.
Súbito deslumbramento da demente vista
que as janelas premiaram forte
inundaram-me a alma e os sentidos
que estremeceram com a súbita aparição
de evangélica figura, nossa senhora de graça
e do baptismo criador.
Antecedeu as badaladas,
as luzes se acenderam
iluminaram as arcadas!
É o momento
e que momento primeiro:
quais rosas, quais lírios,
quais águas, quais fluentes,
do deslumbrante estar
do doce declamar, o amor!

As águas suspendem-se em seu redor
a luz inunda-lhe o rosto
belo de pasmar… sereno
altivo de uma altivez cândida!
O vermelho a rodopia
o branco desnuda a sua pureza
o preto alonga-lhe a formosura.
O olhar é profundo, penetrante e sorridente…
preso á minha mente sigo
desde a noite colossal
só em mim matéria, efémera!

E não! Não me é permitido!...

José M. Silva

Em livro «Há copos, garfos inebriados dentro de mim»

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Aguarela

Aguarela (zona do Areeinho, Ovar)














Autor: José M. Silva

Não entro em misticismos
nem ironias libertinas
ou posses desconcertadas
e cumprimentos falsos!

Não entro, em sorrisos simulados
no estar formal correcto
nas politiquices, nos escárnios …

Não gosto de opacidades
evito pintar com guaches
amo a aguarela!
É verdadeira não se mascara
não se esconde num véu
de obscuridades infinitas
é simples, toda ela transparente
vive livre na sua arbitrariedade.
É pessoal, única, irreproduzível
é cristalina água eterna e fluente
é Amor!!!
Se um dia me encontrares
oh! Tão doce imagem
Pintar-te-ei pura…
Aguarela!


26/06/07 José M. Silva

Em livro «Há copos, garfos inebriados dentro de mim»

Regressão


Porto aguarela Autor: José M. Silva

Vejo em mim
a criança que outrora fui
estou inquieto
não tenho paz
procuro serenidade…
faltam-me as forças.
Olho o rio e digo
tenho que lutar
contra esta corrente energética
que se apodera de mim.
E quanto mais a recuso
mais junto a mim a quero
que quanto mais dolorosa é
mais a quero sentir.
Esta angustia esta ansiedade
este zumbido que de mim sai
como se fosse implodir.
Sou um búzio
de mim sai o som do mar
é relaxante…
é como estivesse já na outra vida
é estranho e inumano
mas só ouço este ruído
que sai das minhas entranhas.

Está uma tarde cinzenta e amena
tal como gosto…
sente-se uma nostalgia no ar
dá-me alguma paz.
Olho a outra margem,
admiro os edifícios seculares
desde a alfandega
até mira-gaia
com tons ocres
que ao Douro dão vida
um rabelo, desliza
nas águas esverdeadas e fugidias.
A estrada está quase deserta
de vez em quando passa um transeunte
ou um carro ocupado por amantes
que se amam nestas paragens.
Vejo tudo o que já vi
procuro caminhos já passados
na minha memoria ainda lembrados…
vejo tudo o que já vivi
mas não vivi tudo o que vejo…



José M. Silva

Em livro «Há copos, garfos inebriados dentro de mim»