terça-feira, 25 de agosto de 2009

Como que a morrer!...

















Aguarela cena rural, autor: José M. Silva


Como que a morrer!...
Sonhos, murmúrios, lágrimas,
infâncias perdidas, juventudes roubadas.

Tristes e envelhecidas paredes
fortificam as manhãs claras
pilar dos medos e das amarguras
das brumas e das noites despovoadas.

Como que a morrer!...
Já sem portas nem janelas abrigas
a densa vegetação das intempéries.

Lágrimas perdidas, regaços envelhecidos,
colos maternos e seios distantes.
Na inércia das ruínas embriagadas
das leiras e dos enigmas nocturnos.

José M. Silva

Em livro «Há copos, garfos inebriados dentro de mim»

sábado, 8 de agosto de 2009

Não! Não me é permitido!...


Desenho a caneta autor: José M.Silva

Não! Não me é permitido!..
Tal veleidade, tal devaneio
enjaulo em mim este sentimento
fero de paixão!

Não! Não me é permitido!..
Que paire sobre mim o esquecimento
deste fulminante brotar imenso.
Súbito deslumbramento da demente vista
que as janelas premiaram forte
inundaram-me a alma e os sentidos
que estremeceram com a súbita aparição
de evangélica figura, nossa senhora de graça
e do baptismo criador.
Antecedeu as badaladas,
as luzes se acenderam
iluminaram as arcadas!
É o momento
e que momento primeiro:
quais rosas, quais lírios,
quais águas, quais fluentes,
do deslumbrante estar
do doce declamar, o amor!

As águas suspendem-se em seu redor
a luz inunda-lhe o rosto
belo de pasmar… sereno
altivo de uma altivez cândida!
O vermelho a rodopia
o branco desnuda a sua pureza
o preto alonga-lhe a formosura.
O olhar é profundo, penetrante e sorridente…
preso á minha mente sigo
desde a noite colossal
só em mim matéria, efémera!

E não! Não me é permitido!...

José M. Silva

Em livro «Há copos, garfos inebriados dentro de mim»

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Aguarela

Aguarela (zona do Areeinho, Ovar)














Autor: José M. Silva

Não entro em misticismos
nem ironias libertinas
ou posses desconcertadas
e cumprimentos falsos!

Não entro, em sorrisos simulados
no estar formal correcto
nas politiquices, nos escárnios …

Não gosto de opacidades
evito pintar com guaches
amo a aguarela!
É verdadeira não se mascara
não se esconde num véu
de obscuridades infinitas
é simples, toda ela transparente
vive livre na sua arbitrariedade.
É pessoal, única, irreproduzível
é cristalina água eterna e fluente
é Amor!!!
Se um dia me encontrares
oh! Tão doce imagem
Pintar-te-ei pura…
Aguarela!


26/06/07 José M. Silva

Em livro «Há copos, garfos inebriados dentro de mim»

Regressão


Porto aguarela Autor: José M. Silva

Vejo em mim
a criança que outrora fui
estou inquieto
não tenho paz
procuro serenidade…
faltam-me as forças.
Olho o rio e digo
tenho que lutar
contra esta corrente energética
que se apodera de mim.
E quanto mais a recuso
mais junto a mim a quero
que quanto mais dolorosa é
mais a quero sentir.
Esta angustia esta ansiedade
este zumbido que de mim sai
como se fosse implodir.
Sou um búzio
de mim sai o som do mar
é relaxante…
é como estivesse já na outra vida
é estranho e inumano
mas só ouço este ruído
que sai das minhas entranhas.

Está uma tarde cinzenta e amena
tal como gosto…
sente-se uma nostalgia no ar
dá-me alguma paz.
Olho a outra margem,
admiro os edifícios seculares
desde a alfandega
até mira-gaia
com tons ocres
que ao Douro dão vida
um rabelo, desliza
nas águas esverdeadas e fugidias.
A estrada está quase deserta
de vez em quando passa um transeunte
ou um carro ocupado por amantes
que se amam nestas paragens.
Vejo tudo o que já vi
procuro caminhos já passados
na minha memoria ainda lembrados…
vejo tudo o que já vivi
mas não vivi tudo o que vejo…



José M. Silva

Em livro «Há copos, garfos inebriados dentro de mim»